Créditos
© Nuno Ferreira Santos
1- Os resultados das eleições legislativas de 18 de maio desfizeram a tradicional maioria de 2/3 entre PSD e PS. Essa maioria qualificada constituía o fator de revisão constitucional. Desse acordo provieram as sete revisões da Lei Fundamental, desde a sua aprovação em 76. Os 2/3 necessários para alterar a Constituição podem agora ser alcançados à direita, com Chega, IL e PSD.
2- Surgiu também outra leitura: a leitura de que o PSD poderia fazer uma maioria de 2/3 à sua esquerda, se se impuser uma revisão constitucional.
Isso implicaria um acordo entre PSD, CDS, PS, Livre e o PCP, ou, sem o PCP, com Bloco de Esquerda e PAN. Até aqui é uma análise de variáveis, embora haja intenções políticas claras por detrás de cada leitura.
3- Em 22, abriu-se um processo de revisão constitucional que não foi concluído nessa legislatura. O PS tinha, então, maioria absoluta. Por causa disso, o PSD trouxe um projeto de revisão muito “leve”, comparativamente aos projetos dos partidos de extrema-direita, com versões muito radicalizadas de mudança de regime e de ajuste de contas com o 25 de Abril.
4- Com duas vitórias eleitorais seguidas e a conduzir o governo, ninguém espera que um projeto de revisão do PSD seja tão leve e não queira competir em algumas normas com a extrema-direita. Esclarecido este ponto, convém assinalar que o projeto “leve” do PSD incluía as seguintes propostas:
O serviço público de saúde é substituído pela “complementaridade” entre público, privado e social; redução do número de deputados em 15 lugares; perda do mandato de deputado se perfilharem outras “ideologias totalitárias” para além da ideologia fascista; intervenção das Forças Armadas em território nacional a pretexto do terrorismo; pressionar o parlamento na decisão sobre o Orçamento, a partir da criação de uma entidade independente que passa a pronunciar-se no processo legislativo, misturando interesses económicos e regionais; mandato do Presidente da República de 7 anos não renovável, em vez dos atuais 4, numa clara intenção de reforçar o presidencialismo; tirar as cooperativas e a autogestão da CRP; incentivo aos privados no imobiliário; etc.
5- Não vale a pena elencar todas as propostas que parecem, a qualquer pessoa de esquerda, perigosas para a democracia política e social que conhecemos. Se eventualmente houvesse uma tentativa de acordo entre direita, centro e esquerda, seria difícil conceber que o PSD abandonasse a privatização do SNS e de outros aspetos de liberalização económica no negócio dos serviços públicos entregues a privados. E alguma carga política estrutural trará e não é democratizante.
6- É certo que o PSD não quer revisão da Constituição para já. Quer governar com o apoio do PS, que está desconfortável com uma revisão em que o PS é marginal. Mas o risco é real. O próprio Luís Montenegro disse que a revisão não era uma prioridade, mas seria “lá para diante”. Convém, então, clarificar: há que combater uma ruptura constitucional e a alteração de regime, e toda a onda reacionária que lhe está associada. Contudo, será um erro histórico ser pela mão da esquerda que se abre mão de algumas das principais conquistas de Abril, a pretexto de impedir o PSD de se juntar ao Chega e IL.
7- Esta ideia do Rui Tavares, pese embora o combate dramático à extrema-direita, não é uma boa ideia.