No mundo das distrações, governa-se em nome dos super-ricos








Os últimos dados indicam que Portugal tem hoje um dos índices mais baixos de desemprego dos últimos anos. Ao mesmo tempo, sabemos que cerca de 60% da população ativa em Portugal aufere menos de 1000€ mensais de salário. Ao contrário do propalado pelas direitas, não são os imigrantes que nos roubam os empregos. O que aconteceu é outra coisa. Estamos assistir a uma das maiores transferências de poder económico dos bolsos de quem trabalha para os donos disto tudo. Para esse movimento, a extrema-direita foi novamente convocada na História para cumprir. Essa é a sua tarefa: através da guerra, da violência e do ódio, conseguir garantir aquilo que os sistemas demo-liberais já não conseguem oferecer ao sistema capitalista.

O aparecimento e ascensão da extrema-direita no século XXI têm sido enquadrados pelos meios liberais que “conduzem” o debate público exatamente nos termos preferenciais para a extrema-direita. Em causa está a famigerada “guerra cultural”, que coloca em disputa direta uma dita visão progressista contra uma visão ultraconservadora. É verdade que estão em causa modelos de sociedade onde as matérias de costumes, que ganharam especial relevância nas últimas décadas, e na qual a extrema-direita alicerça uma parte importante do seu discurso. Contudo, apresentar este espectro político apenas através do seu discurso sobre direitos e liberdades individuais é escamotear o seu papel estrutural na reorganização do sistema capitalista vigente.

O “mundo ocidental”, no qual o papel dos EUA e da NATO enquanto cabeças do monstro são essenciais para compreendermos o funcionamento da economia, deixou de garantir há muito as taxas de lucro que os principais “players” do mercado se haviam habituado no século XX. Os sistemas demo-liberais deixaram de responder às necessidades de uma classe dominante que tem vindo a perder poder económico e político nas novas geometrias planetárias, onde a China, a Índia e outros países com taxas de crescimento e produtividade assumem atualmente o comando de uma parte importante das decisões de toda a economia mundial.

Com dificuldades de fazer voltar aos seus países de origem a produção industrial e tecnológica (que foi relocalizada justamente nos países acima citados com o objetivo de baixar custos de produção), a estratégia do capitalismo ocidental é apostar em representantes políticos disponíveis para, em nome do aumento das taxas de lucro, esmagar direitos de cidadania e comprimir salários. O racismo que paira nas geografias que colonizaram é estrutural e, por isso, uma arma de fácil utilização quando é necessário abusar de trabalho imigrante, sem direitos sociais e a ganhar metade do que o proletariado nacional de cada uma dessas potências está disposto a aceitar.

Essa estratégia está bem presente no Portugal contemporâneo, através dos acordos entre o atual Governo da AD e o partido fascista Chega, ou até na atuação da AIMA, que prende imigrantes sem lher garantir sequer o direito de recurso da decisão das suas deportações. No passado dia 29 de julho à tarde, juntou-se mais de um milhar de pessoas à porta do Centro de Instalação Temporária (CIT), na cidade do Porto. A exigência era simples e clara: que a AIMA libertasse os cidadãos estrangeiros que foram ilegalmente impedidos de recorrer da decisão relativa à sua deportação. O que está em causa por parte da comunidade imigrante e das organizações como a Solidariedade Imigrante (que convocou este protesto) prende-se com o simples cumprimento da lei, nomeadamente o acordo de Schengen.

Sem compreender o papel histórico da extrema-direita na reorganização do capitalismo, a tarefa da esquerda socialista fica ainda mais difícil. A conversa da “guerra cultural” tem servido de armadilha para esconder o que realmente está em jogo no fim de contas: a ofensiva dos mais ricos dos ricos sobre a maioria do mundo.