A Semente do Figo Sagrado, retrata a história de Iman, um funcionário público, advogado e oficial de justiça, que é promovido para o tribunal revolucionário de terão. No novo cargo, é pressionado pelos seus superiores a assinar sentenças de morte, sem qualquer tipo de investigação ou julgamento. Ao mesmo tempo é-lhe atribuída uma arma, que desaparece, levando o protagonista a ficar cada vez mais paranóico e a questionar a lealdade da sua mulher e filhas.
Ao longo da história, conhecemos três personagens femininas. Najmeh, a mãe, uma personagem que retrata o tradicionalismo iraniano e o papel cuidador que as mulheres assumem nas designadas ‘’famílias tradicionais’’. Rezvan, a irmã mais velha que durante a sua frequência na universidade, tem o primeiro contacto com a resistência das mulheres à polícia da moralidade, no seguimento da morte da jovem Mahsa Amini. Por último, conhecemos Sana, a irmã mais nova, que introduz na família um clima de desconfiança ao esconder a arma do pai, e que força a uma mudança tão necessária tanto dentro da família como no país.
Retratada nesta família, estão traços de um sistema judicial opressor, que não garante um processo justo e equitativo para todos os cidadãos, de uma família patriarcal, na qual mesmo a mãe reflete uma forte misoginia internalizada que entra recorrentemente em conflito com as filhas. As filhas retratam uma nova geração de mulheres que se recusa a permanecer refém dos ideais morais patriarcais e que as empurra para os espaços escondidos da sociedade.
Vemos desde logo a diferença geracional, através dos canais de notícia que cada uma consome, a mãe, fiel ao seu marido e país, acredita nas notícias que são divulgadas pelos canais oficiais propagandísticos. As filhas por sua vez, tem acesso às várias redes sociais e nas quais veem conteúdo publicado diretamente, seja por vítimas da polícia da moralidade, ou por ativistas que resistem ao regime.
Este filme de Mohammad Rasoulof, é em si um ato de resistência. O diretor iraniano, encontra-se atualmente exilado na europa, depois de ter sido sentenciado a 8 anos de prisão e linchamento pelos tribunais iranianos. A própria produção deste filme, que retrata o ambiente de opressão e limitação da liberdade de expressão que reina no Irão, é um exercício de liberdade. Mohammad Rasoulof raramente estava no local onde eram produzidas as cenas, coordenando à distância a sua equipa.
Em setembro de 2022, Masha Amini morreu às mãos da polícia da moralidade. A jovem mártir torna-se o símbolo do movimento Mulher, Vida e Liberdade, que fez tremer o regime iraniano. Durante as semanas que se seguiram, várias estudantes e ativistas realizaram protestos e pelos mesmos foram enviadas em massa para a cadeia. Muitas retiraram o véu ou cortaram o cabelo como forma de expressão de revolta contra o regime. Durante essas semanas foram registrados mais de 500 mortos, 15 mil detidos e foram realizadas 7 execuções.
A força destas jovens, que mobilizaram um país inteiro em defesa das mulheres, demonstra que a cada regime opressivo, as mulheres estarão sempre na vanguarda da resistência. A revolução cultural a que se assistiu, inspirou protestos de solidariedade por todo o mundo, reivindicando o direito das mulheres sobre os seus corpos.
É possível fazermos um paralelismo entre a polícia da moralidade no Irão, que impõe às mulheres o uso obrigatório do véu, e as políticas adotadas por países como França, no qual se proíbe às mulheres o uso do véu em espaços públicos. O fim do patriarcado implica necessariamente um feminismo decolonial, que não imponha a nenhuma mulher qualquer tipo de obrigação sobre os seus corpos e a forma como se expressam.
Estas mulheres mostram mais uma vez, que é a força coletiva e unitária que abala regimes, faz cair ditadores, e inspira revoluções pelo mundo fora. As mulheres do Irão, que nos mostram todos os dias que a luta contra o patriarcado ainda se faz à custa das suas vidas e que não existe liberdade numa sociedade sem liberdade para as mulheres, são a força que permite continuar a mover as forças progressistas para um feminismo mais inclusivo e justo.
A quem tiver oportunidade, A Semente do Figo Sagrado[1] Está em exposição em Portugal, no Cinema Medeia Nimas e tem sido amplamente reconhecido através de nomeações e prémios. Vale a pena ver, não só pela beleza cinematográfica característica de Mohammad Rasoulof, mas também pelo simbolismo de um país em conflito consigo próprio.
[1] https://medeiafilmes.com/filmes/a-semente-do-figo-sagrado-2024