Notas sobre imperialismo








O imperialismo permanece uma questão central na dinâmica global contemporânea, sendo imprescindível debatê-lo num mundo marcado por conflitos armados, crises económicas e desigualdades estruturais. A sua compreensão e o papel da esquerda na sua contestação não constituem meras reflexões académicas ou abstratas, mas sim uma necessidade premente para qualquer projeto político que se pretenda emancipatório.

Longe de ser um fenómeno confinado ao passado colonial do século XIX, o imperialismo é inerente ao funcionamento do capitalismo e continua a moldar profundamente a realidade das sociedades modernas. A sua influência manifesta-se de múltiplas formas: no preço dos combustíveis, nos níveis de desemprego ou no modo como os meios de comunicação moldam a perceção pública acerca dos conflitos internacionais, definindo arbitrariamente os ‘bons’ e os ‘maus’ consoante interesses estratégicos e económicos.

Para compreender a essência do imperialismo, importa questionar a raiz das desigualdades globais: porque coexistem nações extremamente ricas com outras mergulhadas na miséria? Poderá esta disparidade ser explicada meramente pelo esforço e mérito individuais? A resposta impõe-se com clareza: as potências capitalistas não se desenvolveram isoladamente, mas sim através da exploração sistemática de outras regiões do mundo. Esta exploração, longe de ser um resquício do passado, foi-se adaptando e assumindo diferentes configurações ao longo da história.

Karl Marx foi um dos primeiros a evidenciar a tendência expansionista do capitalismo, sublinhando como este rompe barreiras e impõe novas relações de produção em territórios anteriormente organizados sob outras estruturas económicas e sociais. O seu estudo do colonialismo britânico na Índia revelou como a destruição da indústria têxtil local e a imposição forçada da economia de mercado alteraram radicalmente a estrutura social e económica do país. Para Marx, o capitalismo continha um elemento contraditório: ao mesmo tempo que aniquilava formas de produção pré-capitalistas, também criava as bases para uma futura industrialização. No entanto, a realidade demonstrou que tal desenvolvimento autónomo não se concretizou. Pelo contrário, as ex-colónias foram inseridas num sistema global em que o seu papel estava predeterminado: fornecedores de matéria-prima barata, de mão de obra subjugada e de mercados consumidores para os centros capitalistas.

A necessidade de expansão contínua do capitalismo tornou-se ainda mais evidente com o advento do imperialismo moderno, analisado por economistas marxistas como Rudolf Hilferding. Inicialmente, o capitalismo caracterizava-se pela concorrência entre pequenos empresários; porém, ao longo do tempo, assistiu-se à concentração do capital em grandes monopólios, estreitamente articulados com o poder financeiro. Os bancos passaram a desempenhar um papel central no financiamento da expansão empresarial, consolidando uma aliança entre o capital industrial e o capital financeiro. Este novo estágio de desenvolvimento exigia a busca incessante de novos mercados e recursos, levando as potências imperialistas a projetar o seu domínio para além das suas fronteiras nacionais.

Lenine e Bukharin aprofundaram esta análise ao demonstrar que o imperialismo inevitavelmente conduzia ao conflito entre grandes potências, uma vez que todas elas procuravam expandir os seus monopólios e garantir o acesso privilegiado a mercados e recursos. A Primeira Guerra Mundial ilustra essa lógica, pois não resultou de meras disputas nacionalistas, mas antes da competição feroz entre potências imperialistas pelos despojos do mundo.

Embora a configuração do imperialismo tenha evoluído, a sua lógica essencial permanece inalterada. A rivalidade contemporânea entre os Estados Unidos e a China pelo domínio económico global, as intervenções militares no Médio Oriente ou os golpes de Estado patrocinados externamente são expressões modernas dessa dinâmica de dominação. A Teoria da Dependência, desenvolvida no pós-Segunda Guerra Mundial, evidenciou que a descolonização política não significou o fim da exploração imperialista, mas antes a sua reformulação sob novas bases económicas e financeiras. O neocolonialismo impôs-se através de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, cujas políticas de endividamento perpetuam a dependência das antigas colónias, garantindo que continuem subordinadas aos interesses das grandes potências. Sempre que um governo tenta romper com este sistema, enfrenta retaliações severas, como demonstram os casos de Salvador Allende no Chile (1973) e Evo Morales na Bolívia (2019).

Neste contexto, a esquerda enfrenta o desafio de articular uma resposta coerente e eficaz contra o imperialismo. No início do século XX, muitos partidos socialistas europeus proclamavam-se anti-imperialistas; no entanto, com o eclodir da Primeira Guerra Mundial, a maioria optou por apoiar as suas burguesias nacionais, traindo o internacionalismo proletário. Lenine, rompendo com essa tradição, defendeu que a luta contra o imperialismo deveria ser um eixo central da revolução socialista.

Nas últimas décadas, e especialmente após a queda da União Soviética, uma parte significativa da esquerda abandonou ou relativizou a sua postura anti-imperialista, aceitando as premissas do neoliberalismo e a inevitabilidade da globalização capitalista. Contudo, a persistência de guerras, crises e desigualdades demonstra que essa visão foi um erro. O imperialismo continua a subjugar milhões de pessoas e a estruturar o mundo segundo os interesses das grandes potências.

A análise do imperialismo russo é crucial para evitar abordagens simplistas. A política externa de Moscovo caracteriza-se por uma estratégia de militarização e controlo de recursos estratégicos, perpetuando uma lógica imperialista própria. A invasão da Ucrânia exemplifica esta dinâmica: trata-se de um Estado mais forte que impõe a sua vontade sobre um vizinho soberano, recorrendo à violência para preservar os seus interesses geopolíticos. A Rússia, ao contrário da narrativa que a apresenta como uma potência contra-hegemónica, mantém práticas expansionistas semelhantes às das potências ocidentais.

Por sua vez, a NATO, sob a liderança dos Estados Unidos, invoca a segurança coletiva para justificar a sua expansão militar, contribuindo para a escalada de tensões. O alargamento da Aliança Atlântica para leste reforçou a perceção de ameaça da Rússia e serviu como pretexto para a sua agressividade imperialista. Neste cenário, nem a Rússia nem os países ocidentais atuam movidos por princípios humanitários, mas sim pela luta por esferas de influência.

A esquerda não pode cair na armadilha de escolher entre blocos imperialistas rivais. A autodeterminação dos povos não se defende através do apoio acrítico a qualquer superpotência, como se verificou durante a Guerra Fria. O caso da China ilustra bem este dilema: apesar de se apresentar como alternativa ao domínio ocidental, a sua ascensão assenta numa lógica capitalista e expansionista própria, refletida na sua crescente presença militar e económica a nível global.

A resposta da esquerda ao imperialismo deve assentar em quatro pilares fundamentais: a recuperação do internacionalismo, a denúncia da propaganda hegemónica, a promoção de alternativas económicas soberanas e a organização popular. Só através de uma mobilização política global, assente na solidariedade entre os povos e na construção de estruturas económicas autónomas, será possível pôr fim à lógica de exploração que sustenta o imperialismo. A história demonstra que este sistema não é invencível. A grande questão que se impõe é: qual será o nosso papel nesta luta?