Leitão e a Motosserra








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1- Mariana Leitão, líder da Iniciativa Liberal, assumiu em pleno o exemplo do governo argentino de Milei e aponta-o como experiência a seguir. Na IL havia relutância de alguns setores internos em caucionar a política de Milei, tomada por extremista. Cotrim de Figueiredo, ex-líder, chegou a demarcar-se de Milei, embora salvaguardando apoio ao programa económico. Todos os observadores indicam que essa explicitação ideológica, a par de propostas políticas no parlamento para competir com o Chega, corresponde a uma radicalização da Iniciativa Liberal. Todos aqueles que têm considerado a Iniciativa Liberal como parte da área da direita moderada têm certamente de rever os seus postulados de análise.

 2- No presidencialismo argentino, Javier Milei, dirige um governo que se reclama de ser ultra liberal e de protagonizar uma mudança histórica no país. Este personagem, de linguagem desaforada, ficou conhecido como comentador político na televisão e empunhar uma motosserra para simbolicamente sentenciar tudo aquilo que deveria, a seu ver, ser eliminado no país, em particular o estado social e políticas públicas em muitas dimensões, ou até o que ele chama de “ideologia de género”. O populismo difuso alcandorou-o a presidente eleito, no meio de uma grave crise institucional e social da Argentina. As dificuldades económicas do povo e as manchas de corrupção deram asas à motosserra.

3- Mais de um ano de governação mostra ao que veio. Abolição de muitos ministérios, entre os quais o do Ambiente e o da Cultura. Despediu cerca de 50 mil funcionários públicos e tem um plano para despedir mais 70 mil. Isso resultou no desmantelamento de muitos serviços públicos. Congelou pensões e salários no estado. A taxa de pobreza, já de grande privação e desigualdade, passou de 47% para 54% O governo diz recentemente que este índice melhorou, sem prova credível. Os rendimentos da classe média também foram afetados. O mercado de trabalho foi ainda mais precarizado e os salários do privado não-exportador baixaram. O investimento público foi congelado. A inflação anual ronda agora os 40%, baixando bastante. Esse é o êxito propalado pelos liberais e cantado por Milei. Ao congelar a política orçamental, ao cortar brutalmente a despesa pública, ao limitar a circulação monetária, essa tenderia a ser a consequência.

4- Tirando as costumeiras loas dos media neoliberais, que manipulam a realidade crua da Argentina, temos visto a prudência de análise de muita literatura económica capitalista. Milei está a diferir dívida e prepara um novo empréstimo do FMI, aumentando a dívida que queria diminuir com o corte na despesa. Mesmo que a Argentina recupere da recessão que Milei provocou, atirando a economia para valores semelhantes ao do período da pandemia da Covid 19, tudo aponta para a estagnação numa economia desequilibrada, vivendo essencialmente do setor primário. O setor do agronegócio está a ser claramente beneficiado pela estabilidade cambial.

5- Este autodenominado “anarco-capitalismo” é afinal o programa da troika, batizado de ajuste estrutural. É um programa que os portugueses conhecem bem. Tirando as especificidades de contexto, é a mesma receita que já nos foi aplicada, em dose muito mais agravada na Argentina. É extraordinário que os liberais queiram motosserrar o Estado, mesmo sem a justificação de uma crise de reservas do tesouro. Mas há outros aspetos pouco libertários de Milei, como se vê a seguir.

6- Milei governa por decreto presidencial, suportado numa Lei de Bases que é uma espécie de “autorização legislativa” gigante, contendo dezenas de leis gerais que o Congresso aprovou. A repressão de rua tornou-se comum e o parlamento está dispensado. O calcanhar de Aquiles  do presidente está na pequenez do seu partido no congresso e depender de aliados de direita. Milei já apelida de traidora a sua vice-presidente por querer que o congresso aprove aumentos orçamentais para as províncias. A distância entre a democracia e a autocracia é frágil. Triste realidade da Argentina que trocou o mau pelo péssimo.