Desafios da esquerda do nosso tempo
Escrever sobre algo que temos lido em múltiplas plataformas nunca é uma tarefa fácil: alguém já tocou naquele e no outro ponto que gostaríamos de explorar através da nossa própria reflexão.
Debruço-me sobre os desafios que a esquerda anticapitalista enfrenta com poucas soluções, mas com um apelo à reflexão coletiva do momento que atravessamos e para onde caminhamos.
Estamos perante um parlamento que é composto por uma maioria de direita como há muito não se via por estes lados e, ao mesmo tempo, temos personagens da esquerda parlamentar que não nos sabem dar nem uma pista do que nos trouxe até aqui. Quer dizer, temos quem repita “o contexto” sem se prolongar muito numa reflexão das suas próprias falhas, mas lá chegaremos.
Face aos tempos que se avizinham precisamos de quem se levante com a mesma garra dos grandes pensadores e revolucionários do século XX. Chegou ao fim o período da esquerda “fofinha” que acreditava em repetir uma fórmula quase que matemática de ação política seria o caminho a seguir. Exige-se uma mudança de discurso, uma mudança de estratégia e uma responsabilização de quem não conseguiu dar esperança ao povo.
É sabido que a viragem para o fascismo no inicio do século XX se deu graças ao falhanço das democracias liberais. Governos que se diziam para as pessoas e que afirmavam colocar um fim definitivo à miséria deixada pelos regimes absolutistas, ironicamente, falharam pois não quiseram tomar as medidas necessárias para dar resposta à falta de condições que as pessoas enfrentavam.
Uma democracia que não cuida de quem dela depende está condenada a um desgaste perigoso que irá atrair quem nunca aceitou o fim do tempo do autoritarismo. Com isto não pretendo afirmar que o mal está feito e que o pior chegou, apenas proponho um exercício mental de reflexão e de memória.
Um povo que não tem como aceder a cuidados básicos de saúde, que não tem como pagar uma casa, que se vê a contar trocos para se alimentar e que vê uma escalada de tensões a nível internacional é um povo ansioso; um povo ansioso quer respostas para ontem que podiam já ter chegado se não fossem os anos de governação neoliberal do Partido Socialista. A situação na qual o país se encontra é um resultado de anos de falta de vontade de governar para o povo; é o resultado de quem escolheu governar com o objetivo claro de agradar aos neoliberais europeus e aos belicistas.
A esquerda, perante isto, nunca fugiu, mas também não se soube adaptar a 100% às exigências que foi encontrando. Vários fatores contribuíram para que a extrema-direita tenha crescido a um ritmo alarmante: a comunicação social escolheu tornar a política num circo mediático e escolheu quem melhor desempenha o papel de palhaço; os donos das grandes empresas tecnológicas não esconderam o agrado por estes defensores do capitalismo e não demoraram a dar-lhes colo, tornando as “nossas” redes sociais em autênticas agências de publicidade de todos aqueles que propagassem a ideologia do ódio; a utilização da tática do medo para colocar o povo contra o povo ao invés de contra quem nos explora.
Eles recorreram ao medo para dividir a classe trabalhadora e a esquerda fica com a tarefa de unir o povo, mas para isso é necessária uma reflexão profunda sobre o que nos trouxe até aqui: as falhas, os vícios, o conforto no parlamentarismo e a desorganização. Somos obrigados a assumir os erros do passado e do presente se queremos efetivamente começar de novo.
Somos parte de uma estrutra que se pauta, desde a sua fundação, pela pluralidade ideológica no que toca a pensar o socialismo, e tal obriga-nos a colocar a questão: do que é que abdicamos nesta nossa longa caminhada? O que é que fez com que as pessoas se afastassem do que propomos? Que mudanças na estrutura teremos que fazer? Que vícios terá a esquerda que quebrar?
Organizemos as nossas bases! Temos que assumir a responsabilidade que traz consigo a luta assumida contra o capitalismo e ser capazes de organizar as pessoas ao nosso redor. Ser um agente da agitação que almejamos é dos primeiros passos para a construção da nossa utopia, ainda mais estando a testemunhar o fim do que conhecíamos sem saber o que se cria em concreto perante os nossos olhos.
Como comecei por dizer, são poucas as soluções que tenho a apresentar, mas uma certeza tenho: não podemos aceitar que figuras que nos representem continuem a perpetuar os vícios que nos trouxeram até aqui; não podemos aceitar que nada mude e que se encolham ombros na hora de assumir responsabilidades. Temos a obrigação moral de exigir mais e melhor da esquerda na qual nos revemos e escolhemos para nos representar nas devidas instituições.
Um desafio para dentro: levar a sério a famosa expressão “ninguém larga a mão de ninguém”.
Iremos encontrar muitas pessoas que estão assustadas com o futuro e cada uma terá a sua razão: o medo de perder o acesso ao SNS, a preocupação com os direitos das comunidades marginalizadas, pensionistas que já passaram pela direita que não hesitou na hora de lhes cortar a reforma, a ansiedade que nos consome quando pensamos na habitação no nosso país, o medo das revisões constitucionais e o medo de perder o salário. Construir comunidade e não dividir; não olhar para quem tem medo e desvalorizar; perder os hábitos elitistas que separam a esquerda e afastam camaradas.
Lembrar sempre José Mario Branco:
Só a nosso mando É que há liberdade Vamos lá lutando
P’ra mudar a sociedade
EU VI ESTE POVO A LUTAR (CONFEDERAÇÃO)