Mais do que nunca, impõe-se o tempo de pensar: será o mundo — e as relações que o tecem — um lugar de amor ou de ódio, de fraternidade ou de confronto? Cresce, silenciosamente, um afastamento contínuo; instala-se um vazio forjado, uma distância imposta que, sorrateira, separa os seres humanos e esbate a empatia. O que nos deveria unir, desvanece. E o sentir comum torna-se ruído distante.
A empatia é a arte silenciosa de habitar o coração do outro, é ouvir os estados da alma, distanciar-se dos preconceitos e partilhar as dores e anseios. Também a política, enquanto a manobragem do fio invisível que define os destinos humanos, deve fazer da empatia a sua principal arma. A política deve ser o espaço onde a empatia se transforma em ação coletiva, onde o sentir do outro se traduz em escolhas que arquitetam pontes e não muros. Como podem a política e a empatia, tão indissociáveis na sua essência, coabitar num mundo em que nos afastamos fisicamente – no corpo e no vínculo, na presença física – e nas paisagens virtuais que nos prometem aproximação, mas cultivam a distância?
As redes sociais, criadas para aproximar, tornaram-se espelhos partidos que devolvem apenas fragmentos do mundo — aqueles que mais confirmam o que já se pensa, o que já se sente. O algoritmo, silencioso e eficaz, alimenta certezas, amplia convicções e sufoca o contraditório. O que era espaço para o diálogo virou um campo de batalha: as vozes gritam, ouvem-se pouco, e a razão perde-se entre emojis de fúria e palavras afiadas.
Na sua lógica por vezes incompreensível, o debate político cede ao espetáculo, a velocidade dos clicks substitui a reflexão e, na ânsia de pertencer a um grupo, muitos são aqueles que se esquecem de quem está no outro lado. É certo que a polarização não nasce do desacordo, mas sim da incapacidade de reconhecer a existência de humanidade na opinião divergente. Não obstante aos riscos associados, política também é polarizar.
Enquanto a batalha pelo espaço político se fizer contra aqueles que, embebidos em ódio pela diferença, se erguem contra os direitos conquistados e que usam o medo como motor de mobilização, não há neutralidade possível. Quando a extrema-direita avança com discursos misóginos, racistas, LGBTfóbicos e xenófobos, responder com firmeza não é só legítimo – é necessário. Polarizar não significa alimentar o conflito gratuito — significa tomar posição.
A política não se esgota no consenso, pelo que também é confronto quando o que está em jogo é a dignidade de vidas inteiras. Polarizar não é rejeitar o diálogo, mas sim recusar a normalização da violência arbitrária. É traçar uma linha ética, mas não moralista, que diga que daqui não se ultrapassa. Afinal, existem momentos em que a empatia exige a tomada de posições e a capacidade de ouvir o outro cede lugar à resistência.
Contudo, o exercício da empatia não se restringe apenas aos opositores de opinião. Dentro dos nossos próprios espaços políticos, deve imperar a capacidade de ouvir o outro e de respeitar a sua humanidade, independentemente das diferenças. Na luta por um mundo mais justo, a empatia deve ser o alicerce de todas as nossas relações, não apenas com aqueles que pensam de forma diferente, mas também dentro dos espaços que ocupamos. Enquanto pessoas de esquerda, temos a responsabilidade de praticar a escuta ativa e o respeito mútuo, reconhecendo que a construção de uma sociedade inclusiva começa dentro das nossas próprias dinâmicas. Não podemos cair na tentação de achar que a empatia é apenas um gesto dirigido ao outro, ao opositor, ao inimigo político. Ela deve também atravessar os nossos próprios laços, nos desafios do diálogo interno e nas nossas próprias contradições. Só assim poderemos realmente criar um espaço político onde o outro não seja um adversário, mas alguém com quem podemos aprender e crescer.
É preciso, mais do que nunca, resgatar a política como exercício de cuidado, como espaço de construção comum. Porque sem empatia, a política perde o seu sentido; e sem política, a empatia não encontra caminhos para se tornar mundo.