Inteligência Artificial: libertação ou predação?








Numa entrevista, em 2023, Noam Chomsky caracterizava a Inteligência Artificial (IA) como o ataque mais radical ao pensamento crítico. Mostrava preocupação com os algoritmos que nos sugerem conteúdos à nossa medida e com os chatbots que simulam a comunicação humana, contribuindo para a inércia analítica. A tese do linguista é que a IA, enquanto ferramenta corporativa inserida numa rede de negócios privados, faz parte da luta de classes e é mais uma faceta do capitalismo que visa subordinar os indivíduos.

As ferramentas de IA, por serem pouco explicativas, dessensibilizam o público face aos objetivos do método científico e contribuem, assim, para atitudes negacionistas. Comprometem, também, a nossa saúde mental, porque experimentamos uma vertigem perante a alucinação digital, colocando-nos numa luta permanente para administrar a nossa atenção, num mundo em que quem manda é a imagem.

A IA deve-nos pôr a pensar sobre o trabalho. Enquanto investigador, adoraria que a máquina escrevesse a revisão da literatura dos meus artigos. O advogado reivindicaria que a IA é útil para redigir minutas. O funcionário do supermercado poderia ficar com uma carga de trabalho menor. O vigilante e o operário fabril, cuja saúde é prejudicada pelos turnos rotativos, agradeceriam a reestruturação da sua jornada de trabalho. No entanto, não conseguimos ficar entusiasmados com a substituição dessas tarefas pela IA porque sabemos que, se elas forem automatizadas, enfrentaremos a difícil perspetiva de tentar encontrar trabalho sabendo que os anos de experiência foram inúteis. Na verdade, ganhamos a vida com essas funções e precisamos de pagar a renda todos os meses.

E se isto significar que um trabalhador poderá ser pago enquanto a máquina faz o trabalho? E se significar que os trabalhos pesados serão, daqui em diante, realizados pela máquina? A resposta a estas perguntas é simples: vivemos sob o capitalismo. O futuro terá de passar por concluirmos, todos, que não precisamos de trabalhar tanto e que temos de repensar urgentemente a forma como vivemos.

A IA até poderia ajudar a restruturar a jornada de trabalho, mas não vai. A motivação do lucro é altamente destrutiva – autofágica até –, e as ferramentas de IA permitirão que as empresas descubram como manipular as pessoas de forma mais eficiente. Será ingénuo alguém acreditar na idoneidade da Open Al, como já ninguém deveria duvidar das reais intenções de Zuckerberg, Musk e dos paladinos da liberdade individual.

Estas corporações não tem nenhum interesse em garantir que o seu benefício seja alargado para o cidadão. O centro do poder económico passou para Silicon Valley, a prioridade é evitar mais regulação, por isso acreditem que eles não querem saber se consegues ou não pagar a renda ao final do mês ou o teu crédito bancário.

O uso crítico da IA também pode ter potencialidades. Pode ajudar-nos, do ponto de vista linguístico, a detetar teorias da conspiração, a combater discursos de ódio, a planificar aulas personalizadas, a fugir à burocracia e a desenhar equipamentos tecnológicos para cuidados médicos de elevada qualidade. Mas não convém cairmos nas armadilhas. Para que isso não aconteça, a única forma é educar as pessoas para a autodefesa através da educação, como referia Chomsky. Da ética à moral, dos direitos humanos aos princípios da democracia, da arte à ciência, corremos o risco de desperdiçar tudo isto na selvajaria deste universo gerido por interesses obscuros. Em vez de se perder tempo no debate estéril da direita sobre a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, que se repense um programa curricular que dê uma resposta a isto. A sociedade agradece, nós agradecemos.