Historicamente, o Homem procura culpabilizar terceiros pelas suas dificuldades. Por norma, os “terceiros” são grupos inseridos à margem da sociedade.
Aquando da crise da década de 30 do século passado, um dos passos fundamentais para a unificação da Alemanha em torno de Hitler foi a culpabilização de minorias étnicas, religiosas e políticas. Dos judeus aos comunistas, a propaganda nazi trabalhou arduamente para desonrar e lançar a culpa da crise económica nestes grupos. Além disso, propagou a ideia da “perseguição aos arianos”, fomentando a violência, a militarização e o sentimento de insegurança que afetava de imediato as classes mais pobres que, por norma, eram mais influenciadas pela propaganda governamental.
Cerca de 100 anos depois, assistimos Europa afora um discurso formulado sob as mesmas ideias. A culpabilização das pessoas imigrantes enquanto responsáveis por todas as crises tem sido constante na Alemanha, na França, no Reino Unido, nos Estados Unidos e, como é evidente, em Portugal.
Tornou-se frequente ouvir em conversas informais o tema “imigração” como ponto central de toda a discussão. Seja do ponto de vista social, económico ou até religioso, o diferente é visto como “estranho” ou “ameaçador”. Como era expectável, a discussão é conduzida com expressões pejorativas e nunca baseada no respeito e na promoção de direitos.
Para perceber a razão de todo o ódio, voltemos ao discurso de Hitler. A propaganda odiosa direcionada à comunidade judaica era essencialmente por razões económicas. Sob os argumentos de que eram habilidosos em negociações ou tinham influência do funcionalismo público, eram culpabilizados por uma crise da qual não eram responsáveis. Aliás, uma das primeiras medidas de segregação de Hitler foi a proibição de judeus em qualquer esfera do poder público. Isto acompanhado do discurso do “roubo de trabalho aos verdadeiros alemães” faz-me lembrar qualquer coisa…

É preciso dizer: uma falsa narrativa está em curso outra vez. A responsabilização de pessoas imigrantes pela crise na habitação é um exemplo a ser desmontado. Não, não há uma crise por culpa dos imigrantes. A crise é causada pelos grandes senhores da especulação imobiliária que, sendo muitas vezes estrangeiros, não são vítimas do mesmo discurso. E talvez seja este o ponto essencial. O ódio é direcionado aos diferentes, desde que estes sejam pobres. Sendo assim, a xenofobia é, em certo ponto, uma reprodução do capitalismo. É a reprodução do capitalismo que usa o medo como arma política. É a reprodução do capitalismo que mata em nome do lucro. É a reprodução do capitalismo que joga a culpa nos mais fracos quando entra em crise.
Por outro lado, urge refletir o surgimento de grupos extremistas de cunho racista e xenófobo. Eles não surgem por acaso e são resultados da ausência de posição de alguns dos partidos democráticos. Para além da inação de alguns, o apoio assumido e orgulhoso de outros resulta numa preocupante entrada destes movimentos nas estruturas do poder estabelecido. Estruturas estas que se ausentam do combate às falsas narrativas e tentam apresentar-se como “poder moderador” entre supostos “lados” de uma balança. Não existem duas posições válidas a serem analisadas. Existe uma que deve ser criminalizada e punida e outra que deve ser cumprida e promovida.
As comparações estão feitas e para qualquer pessoa com “dois dedos de testa” são instintivas. Não dizemos que grupos como o 1143 ou partidos como o Chega são neofascistas porque gostamos de o fazer. Dizemos porque é nossa obrigação fazê-lo. É nossa obrigação dizer que um momento vergonhoso da história da humanidade está prestes a ser repetido. É nossa obrigação dizer que os responsáveis pela crise são aqueles que lucram com ela. É nossa obrigação dizer que pessoas imigrantes são seres humanos e merecem dignidade. Para além de dizer, é também nossa obrigação fazer. Fazer mais por aqueles e aquelas que mantêm este país de pé. Fazer mais por aqueles e aquelas que travam uma verdadeira batalha com as instituições públicas em busca de uma “legalização”. Fazer mais por aqueles e aquelas que nos seus trabalhos, escolas e casas são culpabilizados de forma arbitrária e injusta. Fazer mais pelo fim da xenofobia e, sendo assim, pelo fim do capitalismo.