11 de março de 1975 e a má memória do rasto fascista durante a Revolução








11 de março de 2025. Cinquenta anos após a tentativa de golpe militar contra o 25 de Abril por parte da extrema-direita, chefiada militarmente por Spínola, a Revista Sábado entendeu apelidar a manobra militar de “golpe comunista”. Não se trata de um erro. Há muitos anos que a imprensa alinhada com as direitas tenta reescrever a história do fascismo e da Revolução dos Cravos. O sucesso deste espectro político depende, em certa medida, da demonização de um passado que não lhes é simpático.

Spínola foi, desde o primeiro momento em que aceita participar nas operações do dia 25 de Abril de 1974, uma esperança da direita portuguesa e da oligarquia monopolista na tentativa de contrabalançar o espírito democrático e antifascista desse momento histórico. Opôs-se, ainda no dia 25 de Abril, durante as operações, que uma das reivindicações principais fosse o processo de descolonização. Enquanto Presidente, acaba por se demitir a 30 de setembro desse mesmo ano, após recuar na convocação de uma manifestação apoiada pela direita, da liberal à fascista. Ainda antes disso, avança com o conhecido “Golpe Palma Carlos”, uma tentativa de votar uma Constituição sem processo constituinte e onde os poderes do Presidente da República (ele, à altura) seriam reforçados. A derrota desse processo fez cair esse Governo Provisório, mas o papel de Spínola contra o processo da Revolução de Abril não estancou.

Afastado do cargo, cria, em conjunto com ex-dirigentes da PIDE e assumidos fascistas, o ELP – Exército de Libertação de Portugal, um grupo terrorista que espalhou o ódio e a violência contra sindicatos, partidos de esquerda, comissões de moradores, até individualidades ligadas ao MFA e a outras organizações com um papel determinante no país que se construía de novo.

O 11 de março foi uma tentativa, frustrada, de derrubar, pela força militar, a mobilização popular que se fazia sentir em todo o lado: escolas, fábricas, na rua, nos bairros. A operação, apesar de sem sucesso, fez ainda um morto e catorze feridos. Um mês antes, Spínola havia já tentado a tomada do Palácio de Belém, de forma a sequestrar e deportar os principais dirigentes do MFA. O seu passado político é marcado por golpes contra a democracia e a liberdade, tornando-se numa das figuras que, apesar do silêncio cúmplice e taticista, mais a direita acarinhou no seu meio.

Capa do Diário de Lisboa, 11 de março de 1975

No país onde Spínola foi sempre derrota e no mês em que o seu golpe (11 de Março) não foi avante, o avanço do programa político do MFA ganhava contornos socializantes. A nacionalização da banca, anunciada a 14 de março, apenas três dias depois da tentativa de golpe, em todos os jornais nacionais, foi uma das decisões mais importantes contra uma burguesia que se tentava reorganizar num país onde o Governo já não servia de bandeja os seus interesses. Foi a essa decisão que a Sábado, de forma pouco séria, decide apelidar de “golpe comunista”.

A direita portuguesa tem um problema histórico com o 25 de Abril. A ala abertamente fascista por razões evidentes; a “ala liberal”, que deu origem ao PPD-PSD, nunca geriu bem o facto de que a democracia tenha sido produto não só de uma operação militar e de tudo o que se seguiu nos anos seguintes, com o povo a decidir o seu futuro através de um processo revolucionário que foi além da consumação dos mecanismos de representação política. A invocação histórica por parte de Spínola de uma suposta “maioria silenciosa” contra o processo revolucionário é hoje o mote para a reorganização de um espaço ultraconservador e saudosista do Estado Novo. A recuperação fraudulenta de cada um destes episódios nunca são meros erros jornalísticos. Fazem parte de uma estratégia mais alargada de demonização do papel da esquerda no 25 de Abril e o branqueamento de todos os que se opuseram ao 25 de Abril.