A verdade é que, nos dias de hoje, ser jovem e marxista não é fácil, mas aqui estamos. Não é fácil ser marxista porque vivemos no tempo do neoliberalismo selvagem, onde as elites e as instituições que mais beneficiam do capitalismo querem fazer-nos acreditar que o socialismo é algo utópico, um pensamento anacrónico e que, por isso, é uma ideologia impraticável na sociedade, uma mentira absoluta.
E se ser marxista já tem as suas complexidades, ainda consegue ser mais difícil ser um jovem marxista, porque simplesmente roubaram-nos o bem mais precioso que podemos ter: roubaram-nos o tempo. O tempo para refletir, questionar, desafiar. Falta-nos tempo para perceber o porquê de hoje ser mais imperativo do que nunca ir à tão falada luta.
Estando nós inseridos num sistema contrário ao defendido por Marx, o sistema capitalista, é evidente que, acima de qualquer coisa, precisamos de tempo para apontar e perceber as falhas do capitalismo. Falta-nos tempo para contestar o conformismo, criticar os grupos dominantes, encontrar e debater novas soluções e analisar as anteriormente apresentadas. Falta tempo para ligar a luta de classes aos movimentos sociais e à emancipação de todas as classes oprimidas.
E depois da reflexão, ficam as perguntas: Onde está esse tempo? Quem nos roubou o tempo?
Primeiramente, não está. Foi roubado pela necessidade de estudar de forma intensiva para alimentar o sistema de competição do ensino português. Foi roubado pelas explicações que temos de ter para “suceder” nos exames e testes. – “Mas e quem não tem dinheiro para explicações?” – pergunta o estudante pobre. O sistema responde: “Desenrasque-se, não é problema meu. Todos os estudantes têm o mesmo número de aulas.”. O tempo foi roubado pela necessidade de trabalhar para pagar os estudos ou para pagar um quarto numa casa dividida com outros cinco estudantes, também em situações precárias. Ficamos sem tempo porque temos de fazer estágios não remunerados no mercado de trabalho e, para aqueles que ainda têm de ajudar os pais e os avós a cuidar dos irmãos, é ainda mais escasso o tempo para fazer tudo o resto.
O tempo… O tempo foi roubado pelos grandes “donos disto tudo”, por aqueles que têm tempo suficiente para viver quatro vidas, mas que se recusam a partilhar com quem não o tem. O tempo foi roubado por senhores que acumulam milhões à custa dos trabalhadores – trabalhadores que, ao longo de 40 horas semanais, recebem míseros quatro euros e noventa e quatro cêntimos por hora. Foi-lhes roubado o tempo para os seus filhos, para os seus pais, para o seu lazer, para os seus hobbies, para tudo o que não seja trabalho. Foi roubado para enriquecer meia dúzia deles. Foi roubado para manter quem trabalha no escuro, sem tempo para refletir na sua própria exploração.
Mas porque é que nos roubam tanto tempo? A esta pergunta, respondo com outra: como é que alguém sem tempo pode questionar o seu modo de viver?
Não pode. E assim, o sistema capitalista rouba tanto tempo à vida humana para que não pensemos em todas as suas falhas. No entanto, Marx apanhou-se com algum tempo extra e conseguiu reunir bastantes ideias em obras como O Capital e o Manifesto Comunista, onde, acima de tudo, fez uma análise única das condições da desigualdade social e da distribuição desigual das oportunidades e das condições de vida. Marx foi capaz, nas suas obras, de criticar o sistema capitalista, apresentando as suas falhas e desigualdades acentuadas, ao mesmo tempo que apresentava ao mundo um novo sistema baseado na igualdade de oportunidades e na redistribuição da riqueza: o socialismo.
Quer sejamos estudantes, trabalhadores, ativistas e/ou defensores dos movimentos LGBTQIA+, anti-racista, feminista ou climático, sei que é no trabalho de Marx que podemos encontrar respostas para uma esmagadora parte dos problemas que sentimos no dia a dia. E a verdade é que, hoje em dia, tentam cada vez mais incutir-nos o mito de que os ensinamentos de Marx e a teoria socialista apenas se aplicam à classe operária. Mas isso é completamente falso. A opressão do trabalhador pelos grandes patrões é a mesma opressão que a comunidade LGBTQIA+ sente, é a mesma opressão que o movimento feminista e anti-racista enfrentam e é também a mesma opressão que o movimento climático sente, porque, afinal, não há qualquer problema em destruir o planeta se o grande capital, se os ultra-ricos conseguirem obter mais lucro – “mais uns trocos” para as suas carteiras à custa dos que têm menos poder. E quem tem menos poder no sistema corrente? Quais são as vozes que, por mais alto que gritem, dificilmente são ouvidas? São as vozes da classe trabalhadora e dos grupos minoritários.
São estas vozes que, hoje, precisam gritar mais alto do que nunca.
Desde o início do século XXI, nunca tantos e tantas de nós estiveram com medo: medo de perder direitos laborais, reprodutivos, sexuais, identitários. Vemos na América o que a extrema-direita, aliada aos super-ricos, fez e faz. Engana os trabalhadores com populismo, diz que são eles que vão baixar o preço dos ovos, da carne, que vão baixar a inflação e aumentar os salários. Ganham eleições e tudo o que fazem é perseguir pessoas transexuais, limitar direitos reprodutivos, deportar trabalhadores imigrantes, impedir o acesso a medicamentos básicos, desinvestir na saúde pública, perseguir os adversários políticos. E nada disto fez com que a inflação diminuísse, com que os salários aumentassem. Nada disto fez com que a qualidade de vida aumentasse, porque a verdade é que os grandes oligarcas e a extrema-direita não querem que a nossa qualidade de vida melhore – muito pelo contrário.
O que vivemos nos dias de hoje é uma crise do sistema capitalista. É uma crise social, política e, em muitos países, económica. E quanto às crises, Marx dizia:
“São sempre apenas soluções momentaneamente violentas das contradições existentes, irrupções violentas que restabelecem momentaneamente o equilíbrio perturbado.”
Segundo Marx, as crises no capitalismo não são meros acidentes ou erros do sistema, mas sim algo natural e necessário para que o mesmo continue a funcionar. No pensamento de Marx, as crises são momentos de grande perturbação e fragilidade económica, mas que cumprem um papel fundamental: ajudam a reorganizar o sistema. Durante as crises, muitas empresas vão à falência, o que, à partida, é um problema. Mas, ao mesmo tempo, isso cria novas oportunidades para, por exemplo, grandes empresas e investidores comprarem esses negócios por um preço mais baixo. Assim, o capitalismo renova-se, restabelece os lucros e torna a riqueza ainda mais concentrada nas mãos dos grandes grupos económicos. Em resumo, mesmo enfraquecendo o sistema temporariamente, as crises acabam por garantir a sua continuidade.
A verdade é que só uma esquerda forte, revolucionária, anti-capitalista e marxista pode fazer face à crise económica e social que vivemos. Só uma esquerda progressista, que trabalhe para melhorar a vida dos trabalhadores, uma esquerda que proteja os direitos reprodutivos e os direitos sexuais, pode fazer frente ao conservadorismo capitalista. Só uma esquerda que aumente os salários, que baixe as rendas, uma esquerda que vá mesmo buscar dinheiro a quem tem demasiado – porque acumulam às nossas custas – pode fazer frente ao capitalismo selvagem, encostado ao ódio do fascismo da extrema-direita.
Marx dizia que a história da sociedade é a história da luta de classes, e nunca essa afirmação foi tão evidente como nos dias de hoje. O tempo que nos foi roubado, a exploração que se intensifica, a precariedade que nos sufoca – tudo isso são sintomas de um sistema que sobrevive às custas da desigualdade e da opressão. Mas, se há algo que a análise marxista nos ensina, é que os sistemas não são eternos. O capitalismo não será a exceção.
Se querem que desistamos, que aceitemos o mundo como ele é, falharam. Aqui estamos. E não nos calaremos.