A estética do caos não é acidental. No universo das campanhas políticas e da própria presença online de Donald Trump, cada escolha visual — das cores à tipografia, a repetição de certos padrões ou o uso excessivo de pontuação ou letras garrafais — serve um propósito muito claro. No caso particular da última campanha e da sua presença no Instagram, a estratégia visual pode-nos parecer caótica, rudimentar e até bastante amadora, mas esta aparente falta de sentido estético e sofisticação esconde um mecanismo eficaz de mobilização e propaganda.
A campanha gráfica de Trump acompanha o seu discurso baseando-se na saturação e agressividade, transmitindo uma constante sensação de urgência. Há um uso massivo de prints de notícias recortadas sem qualquer cuidado, fazendo quase lembrar aquele nosso familiar boomer que não sabe bem como publicar uma fotografia sem a cortar, mas o efeito é imediato: a aparência de algo “real”, urgente e até incontestável. Os prints, retirados sempre de fontes alinhadas com a sua narrativa ou simplesmente distorcidos, servem o seu propósito: criar a ilusão de um consenso mediático que, muitas vezes, não existe. Para além das notícias, vemos sistematicamente recortes de tweets feitos na rede social do seu amigo Elon Musk, que agora chefia o novo departamento de “eficiência governamental”.
No meio da aparente desordem que parece o feed do agora presidente dos Estados Unidos da América, encontramos sempre a mesma paleta de cores: vermelho, branco e azul – as cores da bandeira dos EUA – reforçando assim a ideia patriota que transforma a identidade visual da campanha numa extensão dos símbolos nacionais. Trump não se apresenta como um candidato — apresenta-se como a própria encarnação da América. A ideia de urgência e agressividade transparecem também na tipografia utilizada – letras garrafais, muitas vezes (ou quase sempre) em caixa alta, gritam ordens, acusações fazendo com o que impacto não esteja na argumentação mas sim na força bruta do texto. Estas escolhas gráficas não convidam à reflexão, exigem sim reação e o seguidor de Trump agradece que pensem por ele e que o façam apenas sentir – seja indignação, raiva, medo ou, em última análise, entusiasmo e identificação.

Printscreens das publicações de Donald Trump no instagram (Outubro-Novembro 2024)
No entanto, a verdadeira arma gráfica da campanha não está apenas na repetição de prints de notícias, nas cores ou na tipografia que utiliza – está na apropriação da cultura digital que o seu eleitorado consome. Elementos que, num contexto tradicional, seriam vistos como falta de profissionalismo, mas que, no ecossistema digital atual, funcionam como ferramentas de disseminação rápida e eficaz, são a chave da sua tática: memes, edições amadoras, imagens com baixa qualidade – tudo para que a sua forma de comunicação sobreviva à verificação factual – o seu propósito não é informar, é viralizar.
Se analisarmos outros líderes de extrema-direita, vemos que a tática utilizada é replicada e encontramos ecos noutras campanhas populistas. Tal como Trump, todos fazem uso dos gráficos rudimentares e de uma estética deliberadamente “não polida” pois a sua intenção é clara: parecer “fora do sistema”, falar diretamente para o povo sem os filtros da “elite” e da comunicação social tradicional. No entanto, esta aparente espontaneidade esconde um processo cuidadosamente calculado de manipulação visual.
O que à primeira vista nos parece desorganizado, improvisado, espontâneo é, na verdade, um modelo de comunicação política adaptado à velocidade das redes sociais e ao seu eleitorado. O design de todo o conteúdo que Trump publicou nas redes sociais durante a sua campanha não se preocupa em ser bonito, sofisticado e inovador – preocupa-se sim em ser eficaz de forma a que consiga dominar o discurso mediático e manter o seu nome no centro da atenção. No entanto, agora que foi eleito e apesar de termos ainda pouco tempo para poder fazer uma análise mais profunda, o comportamento parece ser ligeiramente diferente. Mais polido, utilizando agora vídeos com maior produção e recorrendo, claro, à inteligência artificial para transmitir a sua mensagem. Esta mudança demonstra que, apesar do caos aparente, a comunicação de Trump é tática e adapta-se ao momento político e à sua nova posição de poder.
Como combater uma estética do caos que é tão eficaz? Será esta a forma de chegar a um público que a esquerda não está a conseguir agarrar? Creio que não. Tal como não cedemos ao discurso oral populista da extrema-direita também não façamos essa cedência quando falamos da comunicação visual. Resta-nos encontrar uma linguagem visual que não apenas informa, mas que mobiliza – recuperemos movimentos de luta progressistas, como o movimento sufragista, as campanhas visuais dos sindicatos trabalhistas, os murais do Maio de ‘68 ou a propaganda anticolonial. A esquerda sempre foi capaz de criar mensagens visuais fortes sem recorrer ao caos manipulador. Cabe-nos agora reinventar essa tradição, recuperando as ferramentas de luta que mobilizaram no passado e adaptá-las à realidade digital, sem ceder ao populismo visual da extrema-direita.