O machismo também mata homens








Escrevo este texto como homem. Um homem que tem o privilégio de poder andar na rua sem olhar constantemente por cima do ombro, que nunca teve medo de beber algo que lhe foi oferecido numa festa, que nunca sentiu que a sua roupa pudesse ser interpretada como “um convite”. Escrevo com esse privilégio, e escrevo com raiva.

Recentemente, em Braga, um jovem foi assassinado à facada. Chamava-se Manuel de Oliveira Gonçalves. Tinha 19 anos. Foi morto por fazer o que qualquer pessoa decente faria: alertar que uma rapariga estava prestes a ser drogada num bar. Tentou avisar a segurança. Tentou pedir ajuda. Foi ignorado. E acabou encostado a uma parede, a sangrar até morrer.

Isto não é um caso isolado de violência. Isto é a expressão mais brutal do machismo estrutural que nos atravessa enquanto sociedade.

Sim, o machismo mata e persegue mulheres todos os dias — nas suas casas, nas discotecas, nos empregos, nos transportes públicos, em todo o lado. São elas, sem sombras de dúvidas, as que mais sofrem nas mãos da misoginia que as persegue todos os dias, todos os anos. Mas também mata homens. Mata-nos ao exigir que sejamos brutos, que sejamos dominadores, que sejamos invulneráveis. Mata-nos ao transformar o “ser homem” numa performance de força e controlo, onde denunciar uma potencial violação se torna um ato perigoso e, neste caso, fatal.

O Manu morreu porque agiu contra um código silencioso mas eficaz de cumplicidade masculina. Porque quebrou a regra: “não te metas”. Porque se opôs à lógica da posse sobre os corpos das mulheres, tão enraizada que muitos nem se apercebem que a carregam. Os agressores não reagiram apenas a um aviso. Reagiram à afronta de um homem que recusou alinhar no jogo, que se posicionou ao lado de uma mulher e não dos seus predadores.

E é aqui que precisamos parar para refletir. O machismo não é só uma questão “delas”. É uma questão de todas e de todos. De toda a gente que assiste e não fala. De todos nós que aprendemos que “ser homem” é calar e seguir em frente. De todos nós que ainda hesitamos antes de intervir, com medo de represálias: físicas, sociais, simbólicas.

Ser feminista é reconhecer que este sistema nos destrói a todas e a todos. Que enquanto a igualdade de género for uma bandeira apenas das mulheres, os Manueis vão continuar a morrer. E as mulheres, a ser drogadas, violadas, mortas. Todos os dias.

A segurança no Bar Académico não ouviu. A polícia não chegou a tempo. Mas o Manu tentou. E isso, por si só, devia bastar para nos abanar. Devia ser suficiente para deixarmos de relativizar. Para deixarmos de fingir que estas histórias são exceções. Não são. São a regra.

A única forma de honrarmos a memória do Manu é garantir que nunca mais alguém morre por proteger outra pessoa da violência machista. E isso só será possível quando toda a gente se levantar e disser: basta.

O feminismo não é contra os homens, é também uma ferramenta de emancipação dos próprios. É contra tudo aquilo que nos ensina a sermos menos humanos. E o Manu foi, naquele momento, mais humano do que muitos de nós alguma vez ousamos ser.