Referendo em Timor, 30/08/1999 — ©Inácio Ludgero
1- Lénine deu um importante contributo acerca da Questão Nacional. Esclareceu que o direito das Nações disporem de si próprias exige respeito universal desse princípio, a conquistar no processo político e histórico. A luta de classes, necessariamente existente nos territórios nacionais sem estado próprio, orienta-se para mobilizar o Trabalho para a conquista desse objetivo. A realização da soberania nacional pode ser articulada com a vinculação desse projeto de autodeterminação à justiça social, ou até mesmo a uma transição socialista, dependendo do grau do conflito social e da capacidade da esquerda alternativa ao sistema de domínio colonial.
2- É de linear perceção que existem movimentos de autodeterminação nacional que não são liderados por forças progressistas, ou que essas forças têm até um papel marginal, ou podem até ser reprimidas. Não é motivo para desdenhar da reivindicação nacional mas, ao invés, ajudar a fortalecer o progressismo popular e socialista até que consiga disputar social e politicamente a direção do movimento.
3- Não é aceitável que se seja solidário com umas nacionalidades oprimidas e não com outras, em função da descrição sócio-política da direção da luta, seja uma frente, um exército ou um governo. É claro que a forma como defendemos o direito nacional pode ser mais ou menos crítica desses movimentos, mais distante ou mais próxima. O mesmo acontece com as forças internas progressistas dentro de um povo à procura do seu estado.
4-Se não é aceitável que se discrimine as lutas pela autodeterminação nacional em função dos agentes políticos que as conduzem, menos ainda é escolher a solidariedade quando se subordina à “geopolítica” o critério de as Nações disporem de si próprias. Segundo essa teoria só são legítimas as lutas de libertação nacional que possam ser antagonistas do imperialismo americano. Nestes casos, segundo os seus defensores., o direito dos povos deve ser calcado. Esta é a posição em espelho da agenda da NATO, que só apoia lutas nacionais se elas configuram perdas para os seus adversários político-militares.
5- A chamada geopolítica não é mais do que a teoria dos blocos em disputa global para a qual as razões dos povos e países nada conta. Não se pode achar, sob pena de simples oportunismo, que a autodeterminação da Ucrânia é justa e o mesmo processo na Irlanda do Norte ou na Catalunha já não o é. Ao contrário dos militares que apontam mapas de forças, os políticos têm de situar a vontade popular.
6- As lutas pela libertação nacional estruturam a sua etapa, têm avanços e recuos, podem ser mais ou menos prolongadas, mas os seus compromissos, ou ruturas, com as potências imperialistas são decisões próprias. Não cabe a terceiros dizer o que é que uma luta de resistência nacional deve, ou pode ceder.Tal como no velho refrão de uma cantiga do José Mário Branco , “quem diz que sim, quem diz que não, são os movimentos de libertação”. Este procedimento é particularmente importante quando se discutem perdas de território.
7- O mais erróneo acontece quando vemos forças nacionalistas de esquerda afastarem-se de outras forças nacionalistas de esquerda, a pretexto da sua orientação ou da sua leitura da correlação de forças internacional. Na atualidade este facto tem sido recorrente e, ao contrário do que julgam os promotores, é a sua própria luta. no seu próprio país, que sai enfraquecida. Como se vê pelas discussões sobre a Ucrânia ou sobre a Venezuela.
8- O direito de resistência é idêntico na Ucrânia, na Palestina ou no Saara Ocidental, ou em qualquer nacionalidade oprimida. Nós, os portugueses que queriam o fim do colonialismo, não contestámos a origem das armas nas guerras de libertação das colónias e elas provinham de potências que dominavam outros povos, como a URSS, mesmo que em nome do socialismo. Soubemos o desfecho dessa falsificação histórica do socialismo mas tal não afetou o resultado da independência desses territórios, apesar da Guerra Fria e da “geopolítica”.
9- A resistência militar não invalida todos os esforços para uma autodeterminação pactada, com o concurso de instâncias internacionais. com recurso eventualmente a mecanismos referendários. Contudo, quer a legítima defesa quer o esgotamento de meios pacíficos pode conduzir ao confronto armado. É o caso do Saara, onde depois de décadas de espera por um referendo de autodeterminação aprovado pela ONU, a opressão brutal de Marrocos obrigou ao regresso às armas.
10- A Questão Nacional abarca muitas outras dimensões de dependência dos Estados diretamente face a potências imperialistas, ou indiretamente face a organizações internacionais tuteladas por poderes imperialistas. É um terreno vasto de análise que se refere ao neocolonialismo e a imposições de chantagem político-militar. Contudo, nesta curta abordagem, o foco centra-se nos territórios sem estado, ou em vias de o perder por invasão do exterior.
11- Em matéria de as Nações disporem de si próprias, devemos entender que todas as lutas para serem minimamente consequentes se filiam à Carta das Nações e demais declarações emanadas das Nações Unidas, o que constitui ainda hoje o ponto mais avançado de todos os processos anticoloniais e resultou do legado da derrota do nazi-fascismo e da aliança que venceu.
12- Voltando ao começo destas notas, Putin percebeu bem a posição de Lénine quando declarou no discurso da invasão da Ucrânia que esse país era uma invenção de Lénine, nunca deveria ter saído da Rússia. Assim pensam os imperialistas. Tanto faz que seja Putin sobre a Ucrânia como Trump sobre a Venezuela.