Entre laudos e críticas, um dos temas que mais tinta fez correr nos últimos tempos é o da Inteligência Artificial (IA). Há um ataque ideológico sobre o mundo do trabalho e, apesar de muitas promessas por cumprir, está a ser arma de arremesso para destruir a resistência no mundo do trabalho e aumentar a exploração. A este debate em curso, quero acrescentar uma camada sobre as desigualdades mundiais que a IA também está a aprofundar.
Em todos os grandes debates históricos há a separação entre a ideia e a prática e isso não é diferente na abordagem às mudanças que a IA traz no bojo. Quem beneficiará do aumento da produtividade? Quem detém o controle dos meios de produção? Quais os meios de fiscalização e transparência? A discussão nunca pode ser sobre como travar a ciência mas sim sobre como a usar em função do bem comum e não para enriquecer ainda mais a elite mundial. Uma outra pergunta é se a IA trará mais igualdade entre nações ou se será ferramenta de maior injustiça internacional e até de insegurança.
Servidores, chips e data centers podem ser palavras exóticas para muitas pessoas mas a sua existência real é, logo em primeiro lugar, sinónimo de uma enorme procura energética. Essa é a disputa subterrânea que se vai instalando e que, entre outros, está a levar a uma corrida às centrais nucleares. Pelo espelho do retrovisor desta máquina em movimento se vê, a cada vez mais distância, os esforços globais para combate às mudanças climáticas, com os países do sul global a serem os mais afetados.
As matérias-primas que servem esta revolução em curso, como o cobalto, o cobre e o lítio, deixam um rasto de destruição ambiental nas regiões do sul global e a terraplanagem de quaisquer direitos de trabalho. Como se isso não fosse suficientemente mau, em várias regiões já são a justificação de vários conflitos com tendência para aumentar a violência. Mas, na era da digitalização, nem só de matérias físicas é feita a usurpação: muitos dos dados usados atualmente são também resultado de recolhas abusivas e completamente desregulamentadas sobre as pessoas do sul global. A IA ganha músculo ao exercitar sobre esses dados, mas os grandes benefícios serão realizados no norte global.
O desafio de um desenvolvimento sustentável, para o planeta e para os povos, passa por garantir que a IA não é construída à custa destas desigualdades e ataques laborais, sociais e ambientais. Uma IA para o bem comum tem de garantir, desde o início, a salvaguarda ambiental, o desenvolvimento social e o respeito pelo mundo do trabalho. A IA carrega o potencial de ajudar a ultrapassar desafios globais, mas sua trajetória atual ameaça aprofundar desigualdades, alimentar conflitos e prejudicar as comunidades mais vulneráveis. O lucro deles não pode ser à custa das nossas vidas!